Jornal do Brasil, Ricardo Albuquerque, 04/set
Antônio Montes, 80 anos, será o próximo comerciante da Ilha de Paquetá a fechar as portas do seu negócio. Com os olhos cheios de lágrimas e a conta bancária negativa, ele não consegue mais honrar as despesas e os tributos para manter o Balneário Nacional, restaurante onde o governador Carlos Lacerda costumava almoçar para conversar sobre o pedaço de terra mais charmoso da Baía de Guanabara. O destino de Antônio Gomes é o mesmo de outros cinco lojistas que desistiram, este ano, de lutar contra a crise econômica que assola Paquetá.
- Eu abro o restaurante todos os dias com muita tristeza porque eu amo este lugar. Estava habituado a receber norte-americanos, franceses, espanhóis e pessoas de várias partes do Brasil. Agora, nem os cariocas aparecem por aqui - desabafa ele.
O declínio econômico de Paquetá já fora constatado há quatro anos quando o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) publicou o Almanaque de Paquetá, que assinala os pontos fortes e fracos da ilha e serve como referência histórica da região. De lá para cá, segundo o ex-presidente da Associação Comercial de Paquetá - já desativada -, Jorge Augusto da Costa Gomes, 65, nada foi feito para revitalizar o turismo, principal fonte de renda local. Proprietário do único trenzinho da ilha puxado por um trator, Jorge também foi afetado pela decadência comercial. Na sexta-feira, o veículo circulou apenas para levar seis passageiros até a estação das barcas.
- Há dois anos, eu tinha dois tratores, dois vagões e seis funcionários. Hoje dá apenas para manter um veículo com vagão e dois funcionários - lamenta ele, que cobra R$ 3 por uma volta pela ilha.
O preço das passagens das barcas é apontado como um dos fatores que prejudicam o turismo. Para chegar a ilha, é preciso reservar R$ 6,60 (barcas ida e volta) ou R$ 12 (aerobarcos). Segundo a lojista Patrícia Gidsin, 42, que mora no Rocha, no Rio, e trabalha na Casa de Material de Construção Paquetá, é comum as embarcações apresentarem problemas ao longo do trajeto de 17 quilômetros da Praça 15 até Paquetá.
- As lanchas também não cumprem o horário. Ou saem atrasadas ou se adiantam - observa Patrícia, que assistia ao jogo de cartas disputada pelo primo, Cláudio, e mais dois amigos, durante a travessia.
A questão do transporte também afeta os comerciantes. A maioria ainda utiliza o frete que sai de uma balsa da Ilha do Governador, como Valderi Joaquim Cardoso, 56, que há 30 anos mantém uma mercearia na Rua Coelho Rodrigues, apesar da queda acumulada de 70% do movimento nos últimos dez anos. Segundo ele, o custo para receber as mercadorias - sem incluir despesas com compra dos produtos - chega a R$ 300 só com o frete. Outros preferem pagar aos barqueiros que saem da Ilha de Itaóca, em São Gonçalo, que chegam a Paquetá com caixotes de legumes, rações, verduras e outros mantimentos. Próximo à estação das barcas, ao lado do estacionamento de bicicletas de quem trabalha no Rio, é possível participar de rifas de frutas e legumes a R$ 3.
- A carne bovina é muito cara por causa do transporte. A ilha tinha três açougues que hoje estão fechados. Carne só no mercadinho e olhe lá - revela Adalton da Silva Monteiro, 72, o Jiló, que se mudou da ilha para o Centro do Rio para fugir do aluguel.
O setor imobiliário foi atingido pelo esvaziamento econômico. Mais de 40 imóveis estão à venda ou disponíveis para serem alugados. De acordo com o corretor de imóveis Nilton França, 60, a ilha adquiriu a característica de um bairro-dormitório: dos 1.500 imóveis de Paquetá apenas 3% são comerciais. Na Rua Manoel de Macedo, uma casa está à venda por R$ 90 mil há dois anos. Na Praia dos Tamoios, vende-se por R$ 320 mil mansão que vale 20% a mais.
- Se a desativação econômica continuar, poderá causar uma desvalorização de 10% nos preços no próximo ano - alerta França. Para o proprietário dos hotéis Fragata e Paquetá e do restaurante Charretão, Carlos Alberto Schoca Silva, 52, os comerciantes deveriam se unir para mudar a realidade.
- Não sei até quando vou agüentar. Estou no vermelho há anos, ao ponto de ser obrigado a buscar hóspedes no Rio de Janeiro.
Garagem de charretes cria impasse
O investimento de R$ 600 mil para a construção do estacionamento de charretes gera polêmica em Paquetá. Os 30 charreteiros cooperativados criticam a Prefeitura do Rio e a empreiteira Globo Engenharia, que teriam entregue a obra antes de finalizá-la. Segundo os trabalhadores, algumas pias para ração não foram construídas, além da estrumeira ter sido condenada pela Comlurb.
- Sem falar no espaço para armazenar ração, que não utilizamos porque não dá para subir uma escada de madeira sem resistência - constata o charreteiro José Baptista.
O fiscal da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Fernando Capella, diz que 95% da obra estão prontos e rebate a acusação dos trabalhadores.
- Eles não participaram da execução da obra como estava acordado. O que falta fazer é replantio de mudas para garantir uma área de pasto para os animais. Até dezembro estará tudo resolvido - observa Capella.
O charreteiro Edir Rosa Lima, 53, diz que o engenheiro da empreiteira não permitiu que eles acompanhassem a obra. Segundo Lima, a prefeitura poderia garantir incentivos para a categoria, que depende exclusivamente do turismo para sobreviver.
- A falta de apoio do governo prejudica o nosso trabalho. Nós precisamos de um patrocínio antes que o serviço acabe - diz Lima.
No estacionamento ficam alojados 57 cavalos e 19 charretes, onde antes era um descampado próximo às casas de funcionários públicos municipais e de charreteiros.
- Quando o Bateau Mouche afundou, no réveillon de 89, nós afundamos juntos. De lá para cá, o número de charretes diminuiu de 31 para 19 - atesta Mauro Nunes, 40.
Os charreteiros lembram com carinho da embarcação, que naufragou no réveillon de 1989. Os trabalhadores recordam que o barco trazia turistas de terça a sábado para visitar a ilha. A volta de charrete custa R$ 25 pelos pontos turísticos de Paquetá, com direito a histórias sobre as lendas da ilha. Em cada veículo cabem cinco pessoas.
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